“Terminator Studies”
Desde 2011 que o projecto “Terminator Studies” funciona como um observatório do cenário catastrófico de Terminator (“O Exterminador Implacável”, na versão portuguesa), filme realizado há trinta anos por James Cameron. Rompendo a linha temporal dos acontecimentos, parte da ciência e da ficção para criar um arquivo de acontecimentos, produzindo assim uma cartografia subjectiva. Este texto segue alguns passos do mapeamento criado pelo projecto.
«Uma vantagem assinalável destas máquinas é a constante vigilância que elas exercem sobre a distracção, a negligência e a preguiça do homem» – Charles Babbage, Tratado sobre a economia das máquinas e das manufacturas, Paris, 1833
A ideia de «risco tecnológico» surgiu em 1945, quando um grupo de génios da época fez surgir a bomba atómica. Alguns desses homens foram também responsáveis pela cibernética pioneira, pela inteligência artificial e pela ciência informática, que nos dominam e ameaçam nos dias de hoje.
Cientistas de vários horizontes, investigadores, jornalistas, peritos, investidores e activistas, todos concordam que o actual desenvolvimento tecnológico constitui, mesmo a curto prazo, uma ameaça à espécie humana. Muito frequentemente, a referência cultural para falar deste tema é o filme de 1984, “Terminator”.
William Wisher, co-argumentista do filme, em conjunto com Cameron, confessou numa entrevista recente que se inspirou no trabalho da DARPA, a agência de desenvolvimento tecnológico de defesa norte-americana, para escrever o argumento do filme.
A indústria da distracção
De Reagan a Schwarzenegger, ambos actores famosos tornados governadores, a fusão entre entretenimento e política sempre foi uma realidade integrada na Califórnia. «O entretenimento faz parte da nossa diplomacia americana» disse Barack Obama em 2013, durante um encontro no quartel-general da DreamWorks , um dos maiores estúdios norte-americanos de cinema e entretenimento e, simultaneamente, uma das maiores doadoras da última campanha presidencial de Obama.
Por isso, quando a Wikileaks publicou milhares de documentos diplomáticos confidenciais, coube à Dreamworks produzir The Fifth Estate, um thriller baseado nos factos controversos relacionados com a revelação de milhares de ligações secretas. Enquanto isso, Julian Assange, o rosto mediático relacionado com o fenómeno Wikileaks, não está de todo descontente com a sua personagem nos Simpsons:
«Quando os Simpsons fazem qualquer coisa contigo não pode ser completamente mau.»
Pouco tempo passado e já a vida de Edward Snowden, o agente da NSA (Agência Nacional de Segurança norte-americana) ,que recentemente pôs a boca no trombone em relação aos esquemas e ao alcance da vigilância da dita agência , e que agora vive grande parte do seu tempo no interior de um robô de tele-presença, inspirou um livro cujos direitos de adaptação cinematográfica foram imediatamente comprados pelos produtores de James Bond.
A CIA, que durante a Guerra Fria dos anos 50 e 60 usou a arte moderna como arma ideológica contra a URSS, aprovou em 2012 o argumento do filme que narra a captura de Osama Bin Laden, produzido por Megan Ellison, filha de um dos magnatas de Silicon Valley, zona californiana conhecida pelas indústrias de desenvolvimento tecnológico, e que recentemente comprou o franchise de “Terminator”.
«Estamos a construir o Homem-de-Ferro» declarou também o presidente norte-americano, desta vez durante um congresso sobre inovação. O que acontece é que não só Hollywood é a maior empresa de exportação norte-americana, como o cinema e a inovação técnico-militar parecem trabalhar lado a lado.
Hollywood tem uma longa história de receber estímulos e apoio logístico de vários sectores do exército dos Estados Unidos: por exemplo, o laboratório ICT, fundado por militares, é frequentemente premiado pela qualidade dos seus efeitos especiais em filmes de acção.
We are the Robots
Se a imagem musculada do Super-Homem é frequentemente associada a personagens cyborg ficcionadas , Jéremie Zimmermann, um defensor das liberdades na Internet, assinala, num artigo de Maio de 2014 que estamos actualmente a viver uma era cyborg:
“Funções básicas dos nossos corpos, tais como comunicar, recordar, reconhecermos-nos, as nossas memórias pessoais e partilhadas e a maior parte dos nossos trabalhos são agora inseparáveis das funções das máquinas.”
A vigilância tornou-se comum à necessidade da população de tudo registar, tornando-nos assim a todos empregados voluntários das corporações californianas, que estão actualmente a construir um império com o conhecimento que lhes fornecemos, ou, por outras palavras, com o que nos retiram à nossa privacidade.
Os “Jetsons” deram-nos o sonho dum robô desenhado para nos ajudar. Com o “The Terminador” deram-nos o pesadelo duma máquina desenhada para matar. Aparentemente o futuro está aqui” – CNN, 05/14/2014
Trinta anos após o filme, a Google adquiriu as máquinas de guerra da DARPA, ao mesmo tempo que uma campanha contra os “robôs assassinos”, lançada pelo Professor Noel Sharkey, está a iniciar um debate nas Nações Unidas, na presença de representantes de todos os países, solicitando a possibilidade de os banir. A Google torna-se assim Skynet, o antagonista de «O Exterminador Implacável», uma máquina criada pelo homem que luta pelo domínio do planeta.
Vivemos agora num mundo onde as pessoas são assassinadas à distância com base na sua meta-informação. Do “Capitão América” ao “Toy Story”, do “Apelo do Dever” ao “Assassinato Colateral”, do “Terminator” ao Google, a fronteira entre informação e entretenimento, jogos de vídeo e crimes de guerra, privacidade e vigilância, alucinação e realidade, está a desaparecer.
As formas de inteligência artificial que hão-de vir, tal como as corporações as estão a desenhar, irão necessitar de cada vez menos seres humanos e apenas do mais aptos, mais previsíveis e mais bem entretidos. Ou como Bill Joy disse em 2000: «O futuro não precisa de nós».
Texto: JBB
Ilustração: Binau